Agricultores de todo o Espírito Santo são vítimas do golpe do empréstimo
Texto: Julio Huber/Fotos: Julio Huber
Aposentados estão sendo vítimas de um golpe que está se tornando cada vez mais comum no Espírito Santo e em outros estados brasileiros. Em 2020, segundo o Instituto Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon-ES), o número de casos de empréstimos consignados sem autorização dos aposentados cresceu 15.500% em relação a 2019.
De acordo com o diretor-presidente do Procon-ES, Rogério Athayde, o perfil das vítimas são idosos de todas as classes sociais, mas também está ocorrendo fraudes com os trabalhadores em atividade entre 26 a 59 anos. Muitos servidores públicos também estão sendo vítimas deste tipo de fraude.
No interior do Espírito Santo, os sindicatos rurais estão auxiliando os agricultores aposentados, que diariamente procuram orientações após perceberem que valores estão sendo descontados mensalmente para pagar empréstimos feitos sem autorização. O Procon-ES está formulando uma ação conjunta para punir as instituições financeiras responsáveis por essas transações, que estão dando dor de cabeça em centenas de capixabas.
A agricultora Dejanira da Luz Schmidt, 56 anos, de Santa Maria de Jetibá, teve um empréstimo no valor de R$ 13.849,29 aprovado em seu nome, sem que ela tenha solicitado a nenhuma instituição bancária. O valor seria descontado em 84 parcelas de R$ 340,00 mensais, o que daria, no final do pagamento, um montante de R$ 28.560,00. Ela se aposentou a pouco mais de um ano.
Dejanira procurou o Sindicato Rural de Santa Maria de Jetibá, que a orientou a fazer uma denúncia na Polícia Civil e também informar à agência do Procon do município. Nos últimos dias, ela contratou um advogado para cuidar do caso, já que não foi possível resolver a situação diretamente no banco.
“Minha mãe ficou muito triste com toda essa situação. Ela se preocupa muito, porque nunca fez nenhuma dívida na vida e está abatida com esse empréstimo feito em nome dela”, contou a filha, Marlene Schmidt Comratd.
Outra agricultora aposentada que teve seu nome usado irregularmente foi Teresa Rosa da Silva, 74, de Ibitirama. Ela foi informada por funcionários da agência bancária onde ela recebe a aposentadoria de que havia sido depositado um valor de R$ 2.668,73 em sua conta, proveniente de outro banco. “Eles me falaram que seria um dinheiro de empréstimo, mas eu nunca autorizei nada e não assinei documento nenhum. É um absurdo isso”, disse Teresa.
Sindicatos dão suporte e orientam agricultores no Espírito Santo
Os sindicatos rurais do Espírito Santo estão auxiliando todos os agricultores que procuram as instituições em busca de orientações. Apenas em Santa Maria de Jetibá, há pelo menos 35 casos de aposentados que foram lesados com os empréstimos fraudulentos. A informação é do presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares de Santa Maria de Jetibá, Egnaldo Andreatta, que destacou que há registros de fraudes em todo o Estado.
“Além dos agricultores que procuraram nosso sindicato, há outras vítimas identificadas por uma empresa de empréstimos da cidade, que também está orientando os seus clientes, que foram vítimas de instituições financeiras. Esses casos já vinham acontecendo há algum tempo, mas se agravou nos últimos meses. As pessoas se deparam com valores em suas contas bancárias e os descontos das parcelas dos empréstimos fraudulentos. Estamos orientando a todos que nos procuram”, contou Egnaldo.
A presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alfredo Chaves, Zilma Favato Lorenzini, informou que pelo menos sete pessoas já haviam procurado o Sindicato até o último mês de dezembro. Um dos casos é de um empréstimo de R$ 12.894,00.
“Pelo extrato bancário, estamos identificando o nome do banco que faz o empréstimo sem autorização. A primeira coisa que fazemos é ligar e solicitar a devolução do dinheiro e o cancelamento do contrato. Um dos casos, o banco enviou um boleto para que fosse pago, no valor do dinheiro que entrou na conta do aposentado. Quando não resolvemos dessa forma, nossa assessoria jurídica orienta ao agricultor a fazer uma denúncia na Polícia Civil e ingressar com uma ação na justiça”, contou Zilma.
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares de Nova Venécia e Vila Pavão, Wasley Darós Cesconetto, disse que um dos casos o empréstimo foi de cerca de R$ 15 mil. “A pessoa garantiu que não solicitou nada e nem assinou documentos. Estamos procurando o Procon, o banco responsável pelo empréstimo e denunciando na Polícia Civil. Acreditamos até que seja uma quadrilha de criminosos que estão lesando muitas pessoas no Estado”, disse Wasley.
O presidente da Federação da Agricultura do Estado do Espírito Santo (Faes), Julio Rocha, informou que não houve um comunicado formal sobre os empréstimos fraudulentos que estão sendo feitos em nome de agricultores, mas ele manifestou apoio da entidade para a resolução dos casos. “Reforçamos a orientação dos sindicatos: procurem a Polícia Civil, o Procon e as agências bancárias”, enfatizou.
A diretora de Administração e Finanças do Sindicato Rural de Ibitirama, Débora da Silva Lopes, contou que já foram feitas as devoluções dos empréstimos de alguns agricultores junto aos bancos, mas que é um procedimento burocrático. “Para se ter uma ideia, há casos que são mais de 80 parcelas de desconto para o pagamento do empréstimo. Ao final, o valor seria mais que o dobro do que foi depositado”, relatou.
INVESTIGAÇÕES – A assessoria de imprensa da Polícia Civil do Espírito Santo informou que esse tipo de crime, quando cometido na Grande Vitória, é investigado pela Delegacia Especializada de Crimes de Defraudações e Falsificações (Defa). Nas demais regiões do Estado, são investigadas por meio da Delegacia de Polícia que atende o município.
A orientação da Polícia Civil é que “as vítimas desse tipo de caso registrem a ocorrência, podendo comparecer pessoalmente a uma delegacia ou realizar o registro por meio da Delegacia Online (https://delegaciaonline.sesp.es.gov.br), para que a Polícia Civil tome ciência do caso e inicie as investigações”.
A assessoria de imprensa da Secretaria de Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca (Seag) informou que o secretário Paulo Foletto ligou para o chefe da Polícia Civil no Estado, para que as investigações sejam intensificadas.
Crimes crescem 15.500% em 2020 e Procon vai entrar com ação coletiva
As fraudes estão crescendo em todo o Espírito Santo. Em 2020, segundo o Procon-ES, a prática de “empréstimos automáticos”, sem a prévia solicitação e autorização do consumidor, aumentou cerca de 15.500% em relação a 2019. “Identificamos que várias instituições financeiras estão realizando este procedimento de natureza obscura e fraudulenta, onde um banco específico tem cerca de 80% das reclamações”, destacou o diretor-presidente do órgão, Rogério Athayde.
Em 2019, o órgão de defesa do consumidor recebeu um atendimento desse tipo de fraude. Em 2020, foram 156 atendimentos. “Em 75% o processo de fraude é executado por terceiros (empresa de cobrança ou similar). Geralmente este tipo de fraude é efetivada por colaboradores da instituição financeira e correspondentes bancários que utilizam da má fé para efetivar este tipo de operação de natureza obscura e obterem lucro através de comissões”, informou Athayde.
Este tipo de golpe está ocorrendo praticamente em todo país e em todas as cidades do estado do Espirito Santo, onde somente 6% das vítimas manifestam reclamação. “O processo de empréstimo automático sem a prévia solicitação e autorização do consumidor está ocorrendo desde 2014, com poucos casos inicialmente, mas no período de pandemia teve um aumento exorbitante de fraudes relacionadas a esta prática de natureza obscura que é vedada pelo Banco Central e pelo CDC”, reforçou o diretor-presidente.
Rogério Athayde destacou que o Procon-ES está tendo êxito em 65% nos casos relacionados a empréstimos automáticos realizados dentro de um ciclo dos últimos cinco meses. “Estamos conseguindo realizar o cancelamento do suposto empréstimo através da carta de informações preliminares (CIP), que é encaminhada a instituição financeira (empresa) para que seja tomada as devidas providências”, informou.
O Procon-ES já notificou a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), o Banco Central e o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para ciência do fato e esclarecimentos. “Tendo em vista a reincidência da prática pelas instituições financeiras, o Procon-ES vai reunir as reclamações individuais dos consumidores e ingressar com uma ação coletiva”, revelou Athayde.
PUNIÇÃO – De acordo com o Procon-ES, além da penalidade administrativa à agencia bancária responsável pela prática ilegal, caso o consumidor também queria entrar com ação de natureza cível na pretensão de obter danos morais, deve o reclamante procurar o Juizado Especial Cível para abrir um processo contra a instituição que praticou este fato de natureza obscura.
Aposentados não devem sacar dinheiro depositado sem autorização
O Procon-ES orienta ao consumidor lesado que compareça a uma das unidades do órgão de defesa do consumidor para registrar uma reclamação, onde se faz necessária a apresentação dos documentos pessoais e um demonstrativo de empréstimos que deve ser retirado no portal “MEU INSS” ou outro Instituto de previdência que o consumidor é beneficiário. Pode ser qualquer instrumento comprobatório que apresente a veracidade da transação de empréstimo.
“É importante não utilizar o valor disponibilizado na conta do reclamante pela instituição financeira mesmo que seja sem a autorização do consumidor, pois este fato vai caracterizar boa-fé do reclamante e evitar questionamentos da instituição financeira em virtude da suposta conclusão da operação com a utilização do crédito”, orienta o diretor-presidente do Procon-ES.
Confira algumas orientações do Procon-ES
- Verificar nas cópias dos contratos se assinatura não foi falsificada;
- Não encaminhar foto via WhatsApp ou similar;
- Não deixar os colaboradores das instituições financeiras e agente financeiros tirar fotos e nem terem acesso a senhas e dados bancários dos consumidores;
- Prestar atenção as perguntas realizadas pelos colaboradores da reclamada via telefone, onde induzem os consumidores a dizerem sim para editarem as ligações de forma que o consumidor tenha solicitado a prestação de serviços de empréstimo;
- Solicitar uma cópia do contrato antes de assinar e comparecer ao Procon para buscar maiores informações e orientações de como proceder nestes casos;
- Nunca retirar valores que estão além do valor correspondente ao salário habitual do consumidor;
- Notando algumas irregularidades, sempre registrar a manifestação e procurar os órgãos de proteção ao crédito;
- No caso de devolução do valor disponibilizado, deve se atentar a efetiva devolução integral do valor, pois caso o valor esteja abaixo do valor creditado, isto significa que houve um processo de antecipação de parcela, que vai cobrar juros e proporcionar abatimentos dos juros futuros das parcelas a vencerem, assim a reclamada não considera os valores pagos, e este procedimento de antecipação de parcela com a emissão de boleto de quitação é a confirmação que o suposto empréstimo realmente ocorreu.
- Conferir junto ao site do INSS ou outro instituto de previdência se ocorreu algum tipo de empréstimo automático sem a autorização do consumidor.
- Registrar boletim de ocorrência junto a Polícia Civil, Polícia Federal e Bacen.
- Após o processo de cancelamento solicitar uma carta de nada consta ou carta de quitação com a inexistência de débitos em abertos;
- Buscar informações junto ao INSS da forma que foi efetivado o processo de averbação do empréstimo.
Fonte: Revista Negócio Rural